sábado, 12 de junho de 2010

Ética e Kant

Artigo do meu professor de Ética. Boa leitura!

Ètica: com Weber , contra Kant

Ao longo deste ensaio *, estivemos trabalhando com uma importante dicotomia entre dois tipos de ética: a deontológica e a teleológica. Como dissemos, caracteriza o primeiro tipo as éticas de Immanuel Kant e Joseph Butler entre outras; caracteriza o segundo as éticas de Aristóteles e John Stuart Mill entre outras.
Como vimos, de acordo com uma ética deontológica, tudo que importa é o cumprimento de uma norma de justa conduta, sem levar em consideração as intenções do agente, as circunstâncias em que ele exerce sua ação e as previsíveis conseqüências advindas desta mesma. No entanto, de acordo com uma ética teleológica, o agente não deve deixar nunca de levar em consideração justamente aquilo que a deontológica desconsidera completamente:
    (I) as intenções do agente moral.
    (2) as circunstâncias dentro das quais ele exerce sua ação.
    (3) as previsíveis conseqüências da mesma podendo ser inferidas por ele [i.e. qualquer ser humano adulto em plena posse de suas faculdades mentais e dotado de discernimento, não necessariamente de qualquer forma de conhecimento especializado].
Quando da leitura de um importante ensaio de Max Weber, Politik als Beruf (A Política como Vocação) * *, deparamo-nos com uma distinção de dois tipos de ética: Gesinnungsethik (ética da convicção) e Verantwortsungsethik (ética da responsabilidade).
Antes de examinarmos o que entende ele por uma e por outra, deter-nos-emos numa passagem anterior em que ele se refere a uma “ética absoluta”, e tudo indica tratar-se de uma alusão à ética kantiana:
“Há , por fim, o dever da verdade. É também ele incondicional, do ponto de vista da ética absoluta (...) Para dizer a verdade, se existe um problema de que a ética absoluta não se ocupa, esse é o problema das conseqüências” (Weber, 1993, pp.112-3).
Weber considera as conseqüências da ação o fator mais relevante na conduta ética e aqui é imprescindível que o deixemos se expressar em suas próprias palavras:
    Desembocamos, assim, na questão decisiva. Impõe-se que nos demos claramente conta do fato seguinte: toda a atividade orientada segundo a ética pode ser subordinada a duas máximas inteiramente diversas e irredutivelmente opostas. Pode orientar-se segundo a ética da responsabilidade ou segundo a ética da convicção. Isso não quer dizer que ética da convicção equivalha a ausência de responsabilidade e a ética da responsabilidade, a ausência de convicção. Não se trata disso, evidentemente. Não obstante, há oposição profunda entre a atitude de quem se conforma às máximas da ética da convicção – diríamos, em linguagem religiosa, “O cristão cumpre seu dever e, quanto aos resultados da ação, confia em Deus – e a atitude de quem se orienta pela ética da responsabilidade, que diz: “Devemos responder pelas previsíveis conseqüências de nossos atos”. (Weber, 1993, p.113, o grifo é nosso).
    [obs. Na nossa cabeça não consegue entrar a idéia de uma ética digna desse nome, que não leve em consideração essa última recomendação weberiana!!!].
Está claro, portanto, que isso que Weber chama de “ética da convicção” nada mais é do que ética do tipo deontológico, ao passo que aquilo que Weber chama de “ética da responsabilidade” nada mais é do que ética do tipo teleológico. A máxima caracterizadora da primeira seria plenamente endossada por Kant, para quem tudo o que importa é o cumprimento cego do dever, sem dar a mínima importância para as previsíveis conseqüências da ação desempenhada.
O dever, por exemplo, é jamais mentir, ainda que a conseqüência advinda de não mentir seja a morte da própria mãe * * *. Pensador extremamente sensato, Weber se coloca visceralmente contra a tal da ética da convicção, que só pode alimentar os piores fanatismos trazendo as mais indesejáveis conseqüências. Primeiramente, Weber caracteriza o cego radicalismo incapaz de levar em consideração as conseqüências de uma ação:
    Perderá seu tempo quem busque mostrar, da maneira a mais persuasiva possível, a um sindicalista apegado à ética da convicção, que sua atitude não terá outro efeito senão o de fazer aumentarem as possibilidades de reação, de retardar a ascensão de sua classe e de rebaixá-la ainda mais – o sindicalista não acreditará.
    [obs. A referência de Weber a “um sindicalista”, vem bem a calhar, uma vez que um líder sindical está transformando o Brasil numa república anarco-sindicalista, sonho dourado dos pelegos gerados por Vargas, de João Goulart e Leonel Brizola].
Ainda neste mesmo parágrafo, logo a seguir, ele caracteriza os expedientes ad hoc de que costumam se servir os partidários da ética da convicção:
    Quando as conseqüências de um ato praticado por pura convicção se revelam desagradáveis, o partidário de tal ética não atribuirá responsabilidade ao agente, mas ao mundo, à tolice dos homens ou à vontade de Deus, que assim criou os homens. O partidário da ética da responsabilidade, ao contrário, contará com as fraquezas comuns do homem (pois, como dizia muito procedentemente Fichte, não temos o direito de pressupor a bondade e a perfeição do homem) e entenderá que não pode lançar a ombros alheios as conseqüências previsíveis de sua própria ação. Dirá, portanto, “Essas conseqüências são imputáveis à minha própria ação”. (Weber, 1993, pp.113-4).
Parece que o protonazista Johann Gottleib Fichte (1762-1814) tinha ao menos o mérito de ser contra, avant la lettre, o desequilibrado J.J.Rousseau e seu nobre selvagem.
* Referimo-nos ao nosso ensaio inédito Sete Tipos de Mentira: aspectos lógicos, éticos e psicológicos
* * Max Weber: “A política como vocação” em M. Weber: Ciência e Política: Duas Vocações, São Paulo, Editora Cultrix, 1993.
* * * Vide a este respeito Mario A.L. Guerreiro: “Argumentando contra Kant: em defesa da mentira dentro de especiais condições” em Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, n.o 159, Immanuel Kant: Bicentenário.
Revista Jus Vigilantibus, Quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

Sobre o autor:

Mario Guerreiro
Mario Antonio de Lacerda Guerreiro é doutor em Filosofia pela UFRJ. Professor Adjunto IV do Depto. de Filosofia da UFRJ. Ex-Pesquisador do CNPq. Ex-Membro do ILTC [Instituto de Lógica, Filosofia e Teoria da Ciência], da SBEC [Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos]. Membro Fundador da Sociedade Brasileira de Análise Filosófica. Autor de Problemas de Filosofia da Linguagem (EDUFF, Niterói, 1985); O Dizível e O Indizível (Papirus, Campinas, 1989); Ética Mínima Para Homens Práticos (Instituto Liberal, Rio de Janeiro, 1995). O Problema da Ficção na Filosofia Analítica (Editora UEL, Londrina, 1999). Ceticismo ou Senso Comum? (EDIPUCRS, Porto Alegre, 1999). Deus Existe? Uma Investigação Filosófica. (Editora UEL, Londrina, 2000) . Liberdade ou Igualdade? ( EDIPUCRS, Porto Alegre, 2002). Co-autor de Significado, Verdade e Ação (EDUF, Niterói, 1985); Paradigmas Filosóficos da Atualidade (Papirus, Campinas, 1989); O Século XX: O Nascimento da Ciência Contemporânea (Ed. CLE-UNICAMP, 1994); Saber, Verdade e Impasse (Nau, Rio de Janeiro, 1995; A Filosofia Analítica no Brasil (Papirus, 1995); Pré-Socráticos: A Invenção da Filosofia (Papirus, 2000) Já apresentou 71 comunicações em encontros acadêmicos e publicou 46 artigos. Atualmente tem escrito regularmente artigos para www.parlata.com.br,www.rplib.com.br , www.avozdocidadao.com.br e para www.cieep.org.br , do qual é membro do conselho editorial.

Fonte de ambos textos: Jus Vigilantibus

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